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Adozinda
Sofia Ester
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Capítulo I

Era meio-dia e o sol brilhava radiante sobre a Ponte 25 de Abril. A sua luz incandescente refletia-se nos carros engarrafados sobre o tabuleiro produzindo um brilho que lembrava uma estrela pairando suavemente sobre o rio tranquilo. Um nevoeiro baixo e denso espalhava-se, a partir do fim da ponte, desde a linha das águas, até á base da estátua do Cristo-Rei dando a impressão de que o filho de Deus flutuava sem apoio sobre os pobres mortais. O cenário era, sem dúvida, celestial, talvez um pouco barulhento, mas, ignorado esse facto, verdadeiramente celestial.

Celestial não era, no entanto, o pensamento dos condutores, impedidos de gozarem plenamente o fim-de-semana em virtude dos azares do tráfego. A pobre gente destilava dentro dos carros parados, irritados, com a música dos rádios no máximo. Os utentes da ponte tinham uma cara de enterro.

(...)

Havia, no entanto, uma pessoa que tinha a solução para este tipo de problema: Adozinda, ou a bruxinha, como era conhecida pelos seus amigos. A feiticeira era uma jovem de 15 anos e frequentadora do 10º ano. A dita personagem havia nos tempos remotos da sua infância tido a vantagem de tomar conhecimento das artes mágicas através da sua avó que era, nos domínios do oculto, particularmente dotada. Havia herdado da anciã uma vassoura. Não uma vassoura normal, mas uma vassoura mágica, daquelas que têm a agradável propriedade de voar. Em dias como aquele, Adozinda montava neste meio de transporte e vendia viagens de trajeto Lisboa - Costa da Caparica e Costa da Caparica - Lisboa aos desesperados condutores. (...)

Após ter terminado uma série de vários trajetos, a jovem voltava agora para casa vinda dos lados de Almada. À medida que ia voando sobre os carros engarrafados, os seus olhos castanhos dourados captaram uma cena que muito a interessou: um homem, conduzindo uma potente mota BMW, tentava habilmente passar pelos intervalos do trânsito.

"Pobre coitado! - pensou Adozinda - Se ele tivesse a minha vassoura, saberia o que era verdadeira velocidade ".

Sem que a bruxinha entendesse, naquele momento, sentiu uma incontrolável vontade de escarnecer daquele homem. Talvez fosse um daqueles desejos que tão irritantemente os jovens têm de implicar com os transeuntes; enfim, sabe-se lá...

Adozinda começou a sua ação fazendo-lhe um voo rasante pela direita. O pobre cambaleou um bocado, mas lá se endireitou. Em seguida, voando na vassoura numa trajetória paralela à dele, gritou-lhe:

- Então, que tal vai a vida? Parada, não?

- A menina quase me ia provocando um acidente! Se quer brincar, é melhor ir ter com outra pessoa!

- Eu não sou nenhuma criança para você me tratar por menina!- a jovem empertigou o nariz de modo a enfatizar o sentido da frase.

- Como queira, madame, mas eu agora não tenho tempo para as suas gracinhas.

O homem, desejoso de se ver livre daquele elemento perturbador, acelerou tentando despistar a jovem atrás de si. Adozinda, no entanto, não era pessoa para desistir facilmente dos seus propósitos. Instigou a vassoura a progredir mais rapidamente e, graças à lentidão do tráfego, em breve se encontrava novamente lado a lado com o fugitivo. Para o aborrecer, tentou aterrar no banco da moto atrás dele, tentativa que o desorientou completamente. Após uma derradeira curva, moto e motorista foram embater contra o rail.

A bruxinha sentiu-se profundamente arrependida. Ela podia ser às vezes ligeiramente trocista, mas não pensava levar a brincadeira até tal ponto. Aterrando suavemente num local próximo do embate, precipitou-se para o acidentado:

- Desculpa, eu não queria fazer isto. Estás magoado? Eu chamo uma ambulância.

Ele tirou o capacete e, pela primeira vez, Adozinda pode atentar minuciosamente no aspeto dele: era uma pessoa muito jovem, na casa dos vinte. Um cabelo preto volumoso enfeitava-lhe o rosto, sendo o seu ar de intelectual reforçado por uns óculos, agora ligeiramente amolgados devido ao infeliz episódio.

- Não é necessário, eu estou bem. Mas a menina - oh!, desculpe - a madame, deve estar muito satisfeita com o sucedido!

- Não é verdade, eu não sou assim tão má. Olha, estás ferido no braço. Se quiseres eu posso aplicar as minhas artes curativas em ti. Sabes, eu sou uma bruxa!- retorquiu ela esboçando um sorriso.

- Não, obrigado!- e tentou dolorosamente levantar-se. Adozinda pretendeu ajudá-lo, mas o jovem afastou-a irritado - Eu não preciso dos seus cuidados. Ao contrário de si, eu sei tomar conta de mim mesmo!

- Por favor, não fiques assim comigo, faz-me sentir muito mal. Eu pago-te o arranjo da moto. Não posso é pagar tudo de uma vez, tem de ser em prestações.

- Acho muito bem que pague e acho ainda melhor que esteja a sentir-se mal! Você merece!

Entretanto, a sirene da polícia veio interromper o diálogo. Os agentes da ordem saíram rapidamente do carro, interrogando os jovens sobre a situação. Após uma breve discussão, um dos polícias perguntou:

- Deseja fazer queixa da menina?- Estranhamente, desta vez, Adozinda não se irritou com este tratamento infantil.

O jovem olhou durante um momento para a feiticeira como que refletindo sobre a questão. Ela estava com um ar que metia dó.

- Acho que não é necessário - respondeu -, tenho confiança em que me pagará o que deve.

- Sim, com certeza - interveio a bruxinha rapidamente -, desde que não faças queixa! Os meus pais matam-me! Ouve, precisas de boleia para casa? Depois do que aconteceu, é o mínimo que posso fazer por ti.

- Está bem, mas e a minha mota?

- Não há problema - esclareceu um dos agentes -, já chamámos um reboque para a levar a sua casa. Apenas precisamos de saber o seu endereço.

- Está tudo aí - disse, entregando ao polícia um cartão com a morada e telefone.

Adozinda ainda deu uma mirada rápida ao cartão.

- Que giro! - comentou - Em que programa é que fizeste isso? Eu tenho um processador de texto bestial que dá para pôr desenhos e tudo. O computador é que é um bocado lento.

Ele devia estar a sentir-se muito fatigado pois não respondeu à interrogação. Olhou para a jovem com impaciência:

- Vamos? Ou ainda precisa de muito tempo para pôr a vassoura a funcionar?

- Não, não. É certo que ela às vezes tem uns ligeiros chiliques. Mas agora tem estado muito bem. Monta!

Mal se ouviu esta ordem, o par descolou.

 
 
 

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