Aquela janela os abrigou por um longo tempo. Um tempo em que só existiu felicidade para ambos, mas toda felicidade no mundo precisa de uma motivação, de um "algo a mais" para que seja de fato felicidade. Porque quando ela perde a razão de existir, desaparece junto com aquele gosto doce de que tudo duraria para sempre. Então foi assim, num um dia, como outro qualquer, em que a concha começou a refletir sobre algo que a incomodava. O grão de areia se soltou da corrente de ar e pousou mais uma vez na janela. Estava voltando de sua última viagem, mal terminou de dizer “oi” à concha que o esperava. -Eu queria entender porque você faz isso... –Foi a declaração dela, debruçada no parapeito da janela. -E eu queria saber por que você acha que eu preciso de um motivo. Sabe, às vezes eu acho que você quer mesmo que eu vá embora. –Respondeu o grão de areia rindo da ideia. -Eu só acho q você podia ir... Você já disse que pode me encontrar até no escuro, não? Então não espere. Você está limitando a liberdade que tanto custou para conseguir Ele olhou fixamente para ela, que amou em segredo desde que a conheceu. Ela não queria que ele se prendesse por que ela não poderia jamais sair de lá, mediante sua condição de concha. -Se eu me for você vai ficar aqui?! -Eu sou uma concha. Não voo como você, se sair daqui então, com certeza vou despencar e cair no asfalto- ela olhou para baixo, onde os carros passavam. Ela continuou sorrindo e repetiu uma frase que o próprio grão dissera uma vez: -A liberdade tem um preço. Você pagou o seu, mas e eu? Saí da prisão da areia para terminar aqui? E você faz sempre questão de voltar. Não faz sentido. O grão ficou sério depois mudou completamente de expressão. Quem pode dizer se o amor faz ou não faz sentido? -Eu aposto, que se eu for embora é você quem vai até mim! Ela riu do grão, com certa tristeza, vendo que ele não entendia que ela estava falando sério. -Então vai, já perdeu. E ele se jogou do parapeito, caiu na primeira corrente de ar que passou e desapareceu. Ela pensou que as coisas ficariam por isso mesmo, imaginou qual seria a ultima coisa que ela faria, até que a próxima chuva conseguisse derrubá-la. Um tempo se passou. Tempo que não significou nada para quem ainda duraria longos anos, e para quem sentiria falta enterna de outro alguem que já se foi. Subitamente ela ouviu um grito de ave! E viu uma enorme sombra vindo na sua direção, sem meios ou chances de reagir, ela deixou que a ave marinha a erguesse e ganhasse altura de uma forma assustadora. Voava pela primeira vez! A concha estava tremendo, rezando para não cair. E como se fosse de propósito, a ave abriu as garras e a concha mergulhou no ar, cada vez mais rápido, se preparando para o choque! Mas o que ela sentiu foi o abraço gelado das águas do mar... Isso a acalmou. Ela afundou lentamente até a areia do recife. O coração de concha descompassado do susto. Fechou os olhos um segundo, e sentiu um toque muito leve. -Grão?! -Ela exclamou surpresa -Perdeu a aposta, gracinha! Que bom que eu fiz amizade com aquela gaivota...hehe -Escuta aqui... -Esqueça, olhe! Você pode voar como eu agora! Foi quando ela se deu conta, se movia pelas correntes de água tão solta quanto o grão de areia pelo ar. -E então, não me diz nada? A liberdade tem um preço. E eu paguei o seu! Ela sorriu, foi o suficiente. Jurou para si mesma que não o abandonaria nem sequer mais uma vez, e podia ver nos olhos dele, que queria dizer o mesmo à ela Agora a exploração deles recomeçava, só num lugar onde eles se sentiam ambos em casa e a concha enfim desabafou -Tem um lugar que eu quero conhecer! Mas você vai ficar com medo... -Eu?! Espera aí... EU?! Só nos seus sonhos... Pois vamos!
(CONTINUA...)
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