Um grão de Areia - parte FINAL
Quando a concha recobrou a consciência, o mar estava tingido de preto, não havia luz nas águas e um grude escuro se espalhava pelo fundo. "grão?..." Os mergulhadores não apareceram mais, apenas máquinas vieram se instalar naquela parte. Rapidamente todo o negrume das águas passou a ser recolhido por elas e o mar voltou quase ao normal. O grão desapareceu, e muito tempo se passou com a concha vasculhando o leito do mar incansavelmente. Todos os dias se lembrando da mesma frase. "Posso te achar até no escuro.” e do riso de seu amigo. Que ela amava de modo incondicional. A falta dele se revelando a pior das torturas, e aquela vontade explosiva de ter dito a ele tantas coisas que talvez não pudesse dizer jamais. Um dia, quando não mais tinha esperança de encontrá-lo novamente, ela o achou caído longe do local da explosão. Não mais que um grão de areia, mas ainda sim toda a razão de sua vida resumida em uma simples partícula da praia. Ele não mais respondia, tinha se tornado um ponto inerte e sem vida. Uma mágoa sem fim tomou conta dela, e instintivamente ela abriu suas duas metades, fechadas há muito tempo, e o guardou. Queria tê-lo para sempre, queria ter morrido também. Tornando a se fechar, entrou em uma pequena caverna no fundo da antiga cratera e adormeceu, deixando correr as grossas lágrimas que só serviram para salgar ainda mais a água a sua volta. Muita gente não sabe, mas toda pérola se forma a partir de um grão de areia, ou de outra partícula minúscula. Com o tempo as ostras produzem uma substância líquida chamada nácar que recobre o grão dentro da concha com muitas camadas finas. Assim levam-se anos até que uma pérola apareça, e mais tempo até que alguém a descubra. Quando a concha acordou, ainda desdenhando a questão do tempo, sentia-se menos pesada, e algo estava diferente, o tesouro que ela estava gerando cresceu tanto que ela acabou rachando, e agora era apenas uma metade de concha. Ela se ajeitou, acostumando-se com a nova forma, ao seu lado estava a pérola enfim formada. Ela olhou sem entender. Era linda, com um brilho azul-aroxeado e era quase do tamanho dela, a concha olhou maravilhada enquanto seu tesouro despertava, e o fruto de seu amor ilimitado renascendo. A voz do grão encheu a água de novo: -Bom dia... O que aconteceu? Você está diferente, e eu me lembro de bombas e de uma água escura... Ela respirou fundo, e não se aguentando de tanta felicidade, começou a falar, gaguejando, atropelando os fatos, chorando emocionada e cortando as frases muitas vezes sem perceber para dizer que o amava. Até que ele pudesse entender, e se dar conta de tudo. -Por favor, me perdoe- foi a resposta dele –Mas eu não sei por que não disse nada antes. O amor às vezes age contra nós mesmos, nos deixa cegos e outras vezes nos fere, tudo por que o amor é muito mais forte que nós. O amor foi sempre uma força impulsiva agindo dentro do meu coração e o único jeito de não me desestruturar com sua força, era agir de acordo com ele. Mas como todos eu tive medo. E acabei por quase perder a chance de dizer que eu amo você, e que eu te amei sempre. Que eu não quero perder você nunca mais. Ah, eu também quero mais que tudo, ser a sua metade agora. A metade que você deixou para me devolver a vida. Muito obrigado por existir! O grão de areia, agora uma parte da concha, passou a viver entre as ostras do fundo do mar, fez amizade com os outros seres, e a concha o apresentou para todos que viviam lá. Dessa vez eles ficaram em paz. Uma nova vida, uma nova família, e sem mergulhadores. Assim terminou a trajetória da história de amor entre uma concha e grão de areia. Mas saibam que nunca, uma história termina quando se pinga o ponto final, ela continua pulsando a cada lembrança, e a cada vez que é recontada, se transformando e dando continuidade ao eterno ciclo que é sonhar. Espero que tenham gostado. Dedico essa história, a todos vocês. Não deixem de dar asas aos seus sonhos!
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